CALENDÁRIO DO ADVENTO COM CONTOS - DIA 8

Bom Natal, Pai Natal, de José Jorge Letria

Não é nada fácil a vida de um Pai Natal. Se não acreditam, prestem atenção àquilo que vos vou contar. As peripécias são muitas e os azares ainda mais. É por isso que as minhas barbas estão cada vez mais brancas. Brancas da neve, que, em flocos, nelas vai pousando, mas também das preocupações que não me dão sossego.

Querem saber como é que se chega a Pai Natal? Então eu vou explicar-vos. Pode ser-se Pai Natal de muitas maneiras. Eu, por exemplo, não escolhi esta profissão. Foi ela que me escolheu, sim porque os ofícios também podem escolher as pessoas e não o contrário.

Durante muitos anos eu fui carteiro numa pequena cidade do Norte, onde a invernia durava mais de seis meses e onde a luz do sol era caprichosa e fazia muitas caretas antes de aparecer.

Toda a gente me conhecia e eu conhecia toda a gente. Nessa altura não me chamava Pai Natal e sim Thor, um nome comum nos países do norte da Europa, que tratam por tu o gelo, o frio e a solidão dos grandes espaços brancos onde só há renas e bonecos de neve com narizes feitos com cenouras geladas como estalactites.

As pessoas costumam gostar dos carteiros, sobretudo nas terras pequenas, porque eles, mesmo quando trazem más notícias, também são capazes de deixar uma palavra amiga e um abraço de consolo.

Vi nascer famílias inteiras. Vi desaparecer os mais velhos. Vi as crianças tornarem-se homens e mulheres e partirem para as cidades grandes em busca de trabalho. Vi coisas boas e más, alegres e tristes e, muito antes de ser Pai Natal, também vi o mal que as guerras podem fazer a quem quer viver em paz.

Como qualquer carteiro que gosta do seu ofício, eu acompanhava a vida das notícias que levava e que trazia. Uma lágrima de tristeza no rosto de quem as recebia dizia-me que podiam ser bem melhores do que eram. Um sorriso largo mostrava-me que elas tinham trazido felicidade a alguém. E eu estava sempre ao lado de quem sofria ou de quem ficava contente, sim porque os amigos são isso mesmo. São aqueles com quem se pode contar tanto nas horas boas como nas más.

- Thor, vê lá que notícias nos trazes hoje! - diziam-me, à passagem, as pessoas que moravam na pequena cidade de província, com casas de madeira, usando um tom que era de brincadeira, mas também de ameaça. Elas sabiam que eu não lia nem podia ler as cartas que lhes entregava, mas, no fundo, acreditavam que eu podia fazer alguma coisa para tornar mais agradáveis as notícias tristes e ainda mais alegres as notícias boas. Acho que é assim que os carteiros são vistos um pouco por toda a parte e eu não me importava que isso acontecesse comigo, até porque me dava a sensação de ter um poder que realmente não tinha. Acreditem que era uma sensação agradável, principalmente para um modesto carteiro cujo único poder era o de ler os endereços nos envelopes e de os entregar às pessoas certas sem demora.

Com a idade, comecei a sentir dores nas pernas e nas costas e o exercício matinal de andar vários quilómetros ao frio deixou de ser agradável e estimulante. Passei a caminhar mais lentamente e algumas pessoas começaram a protestar porque a entrega da correspondência se fazia cada vez mais tarde.

- Desculpem, mas melhor do que isto já não consigo fazer -  lamentava-me eu, com pena de que o meu serviço estivesse a perder qualidade.

Houve mesmo pessoas que não eram da cidade, mas que para lá foram entretanto viver, que pediram ao chefe da estação de correios para me substituir, mas ele, que era meu amigo e que sabia como eu era estimado, sorriu e limitou-se a responder:

- Enquanto ele puder andar e quiser continuar a ser carteiro, o lugar é dele. Portanto, a sua substituição está fora de questão.

Fiquei-lhe agradecido por aquele gesto de amizade e de confiança, mas devo confessar que, a partir dessa altura, comecei a pensar em retirar-me para ter um fim de vida mais descansado. Mas retirar-me para fazer o quê? Para essa pergunta eu não encontrava resposta, mas ela acabou por surgir.

Ao longo da minha vida como carteiro conheci muita gente. Uma dessas pessoas era um simpático sapateiro chamado Andersen, que tinha ideias arejadas apesar de o seu ofício ser modesto. Era casado com uma senhora mais velha e recordo-me bem da alegria que o casal teve quando, num dia do princípio de Abril, lhes nasceu o único filho. Era uma criança pequena e muito metida consigo mesma. Quando ele nasceu, levei cartas para várias cidades e aldeias a dar a notícia da sua vinda ao mundo. Os pais, de tão felizes que estavam, queriam que familiares e amigos partilhassem a sua alegria. Ao menino foi dado o nome de Hans Christian e quando cresceu passei a contá-lo entre os meus amigos. Eu contava-lhe histórias e ele retribuía com outras que a mãe e o pai lhe contavam, e longe estava eu de imaginar que muitas dessas histórias, uma vez postas em livro, viriam depois a torná-lo famoso em todo o mundo.

- Não chores que ele qualquer dia volta - foram as únicas palavras que consegui dizer-lhe no dia em que o seu pai partiu para muito longe, para participar como soldado nas campanhas de Napoleão Bonaparte, um imperador francês que ele muito admirava.

O pai de Hans Christian nunca mais voltou, nem as histórias que ele contava ao filho ao adormecer. Durante muito tempo ele deixou de querer saber se chegavam ou não cartas de longe com notícias frescas e boas. Ninguém mais lhe poderia dar a notícia pela qual ele ansiava: a do regresso de seu pai. Um dia vi Hans Christian de malas feitas para partir e perguntei-lhe:

- Para onde vais, rapaz? Se tu partires, a quem vou eu contar as minhas histórias de carteiro velho?

- Vou para Copenhaga. Quero ser cantor, bailarino, ator, talvez mesmo escritor. Tu qualquer dia também vais fazer grandes viagens, como as personagens das histórias de que ambos gostamos tanto.

- Mas eu não passo de um pobre carteiro à beira da reforma - respondi-lhe eu.

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