CALENDÁRIO DO ADVENTO COM CONTOS - DIA 7

 Um conto de Natal, de Miguel Torga

De sacola e bordão, o velho Garrinchas fazia os possíveis para se aproximar da terra. A necessidade levara-o longe demais. Pedir é um triste ofício, e pedir em Lourosa, pior. Ninguém dá nada. Tenha paciência, Deus o favoreça, hoje não pode ser – e beba um desgraçado água dos ribeiros e coma pedras! Por isso, que remédio senão alargar os horizontes, e estender a mão à caridade de gente desconhecida, que ao menos se envergonhasse de negar uma côdea a um homem a meio do padre-nosso. Sim, rezava quando batia a qualquer porta. Gostavam… Lá se tinha fé na oração, isso era outra conversa. As boas ações é que nos salvam. Não se entra no céu com ladainhas, tirassem daí o sentido. A coisa fia mais fino! Mas, enfim… Segue-se que só dando ao canelo por muito largo conseguia viver. 

E ali vinha demais uma dessas romarias, bem escusadas se o mundo fosse de outra maneira. Muito embora trouxesse dez réis no bolso e o bornal cheio, o certo é que já lhe custava arrastar as pernas. Derreadinho! Podia, realmente, ter ficado em Loivos. Dormia, e no dia seguinte, de manhãzinha, punha-se a caminho. Mas quê! Metera-se-lhe na cabeça consoar à manjedoira nativa… E a verdade é que nem casa nem família o esperavam. Todo o calor possível seria o do forno do povo, permanentemente escancarado à pobreza. Em todo o caso sempre era passar a noite santa debaixo de telhas conhecidas, na modorra de um borralho de estevas e giestas familiares, a respirar o perfume a pão fresco da última cozedura… Essa regalia ao menos dava-a Lourosa aos desamparados. Encher-lhes a barriga, não. Agora albergar o corpo e matar o sono naquele santuário coletivo da fome, podiam. O problema estava em chegar lá. O raio da serra nunca mais acabava, e sentia-se cansado. Setenta e cinco anos, parecendo que não, é um grande carrego. Ainda por cima atrasara-se na jornada em Feitais. Dera uma volta ao lugarejo, as bichas pegaram, a coisa começou a render, e esqueceu-se das horas. Quando foi a dar conta passava das quatro. E, como anoitecia cedo não havia outro remédio senão ir agora a mata-cavalos, a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar. Aflito, batia-lhe na taipa do peito, a pedir misericórdia. Tivesse paciência. O remédio era andar para diante. E o pior de tudo é que começava a nevar! Pela amostra, parecia coisa ligeira. Mas vamos ao caso que pegasse a valer?

NOTA: Continuar a ler o conto aqui, ou no livro Novos contos da montanha que encontras na tua biblioteca escolar.

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